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Fé Trincada

Recentemente pedimos informação a um médico de nossa confiança a respeito da gripe A, como recomenda o ministro da saúde, e ele nos respondeu, sem esperar nenhum tipo de estranhamento: “As medidas preventivas divulgadas estão de acordo com o que se sabe sobre a doença, mas o que se sabe, o que o ministério está prevendo, não dá para informar... você bem sabe como se mente a respeito disso e de outras coisas”. O primeiro impulso foi o de protestar contra seu comentário. Queríamos argumentar sobre o quão é absurdo não informar com transparência e mais ainda quando se trata de saúde pública: a informação protege, previne desacertos; garante fundamentação de projetos sérios; possibilita caminhos mais consequentes; retira-nos da condição imatura de improvisadores, que é superficial, cansa e deixa a irritante sensação de emergência. Alguns instantes de reflexão, porém, trouxeram à memória situações de intensa desinformação em nossa história, vindas dos diferentes poderes constituídos neste país e em outros países “mais democráticos”.

Para entender a razão disso, é preciso analisar com cuidado. Comecemos vendo o conceito de informação. Para obtê-la, deve-se ir além do ouvir e de retê-la como um bom gravador. Para dizer-se informado, é necessário saber de fato ouvir, interpretar adequadamente e reconhecer que a partir disso pode-se agir em seu mundo. Ciente da dimensão do que é apreender e compreender, fica fácil concluir que o conceito de memória vai além do de guardar coisas, e aproxima-se do que denominamos consciência. Diríamos até que memória e consciência são os mesmos. A informação, mais do que proteger, ajuda no delineamento da consciência. Como não existe alma humana igual — “as imagens humanas não podem se repetir e não faltam diferenças profundas entre homens grandes” — as informações são ingeridas e assimiladas de modos distintos, na formação de consciências distintas. Não dá, portanto, para determinar atos padronizados mesmo em pessoas que recebem as mesmas informações.

Seria essa impossibilidade motivo para que as informações não circulem com a transparência condizente a sua importância? É bem provável que se tenha, na ausência do padrão, um fator de desproteção social. Nessa mesma linha de pensamento sobre riscos do saber, podemos colocar outras razões sensatas que incitam a rechaçar a transparência: a histeria, por exemplo. Há alguns anos, houve um crime a três quilômetros de uma instituição. As pessoas comentavam sobre o assunto quando alguém previu: “não falem sobre esse fato aqui, senão, em poucos dias, terão que responder sobre isso”. Uns nem ouviram, outros não compreenderam porque era uma ideia muito esquisita. Mas, um dia, um grupo de pessoas trouxe a história para próximo da instituição, envolveu seus clientes, quis responsabilizar seus funcionários e prestadores de serviço, cobrar mais informações e proteção mais eficiente. De chofre, sem a menor chance de contra-argumentação. Manifestou-se, então, a tal histeria que aborrece, até paralisa. Ela é outro forte motivo para se conter as informações e eliminar a transparência. São riscos reais e faz sentido driblá-los. Afinal ninguém merece um histérico no pé. 

No entanto, quando repassamos nossa história e lembramos como se iniciou o processo democrático, após 20 anos de ditadura, vimos que o poder tem motivo mais próprio — sua manutenção — para evitar a transparência e os riscos. Fomos, nessa época, surpreendidos por informações distorcidas a respeito da saúde de Tancredo entre outras. Surpreendidos, porque o país acreditou que o processo democrático era de verdade. A fé foi trincada na sua raiz, então. Muitos se lembram com tristeza da morte do símbolo da democracia, não do homem, mas da fé de um povo. A idade nos ensina a compreender a morte como um projeto inerente à vida, mas torna-nos intolerantes com os enganos deliberados.

Não podemos evitar o fato de que estamos “condenados à liberdade” e de que somos os autores de nossas vidas. Se a vida civilizada condenou-nos a essa liberdade, o jogo do poder parece querer condenar-nos à esquizofrenia. Somos autores de nossas vidas irremediavelmente e sem o direito de obter informações transparentes sobre tudo que as envolve. Nada disso, no entanto, vai impedir-nos de que lavemos as mãos mais de dez vezes ao dia e que evitemos, de todos os modos, a tal da gripe A. Evitável de verdade, dizem a boca miúda e com a fé trincada, só mesmo com a vacina.

Edmê Cristina
Diretora da Unidade de Ensino Fundamental e Médio da Nossa Escola (Aracaju – SE) 

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