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DIÁRIO DE BORDO Operação resgate

“O encalhe de Vitória foi uma experiência inesquecível, mas, antes disso, um prazer incomparável em poder ajudar o animal em sua luta pela vida”
por Aline Garcia A. Oliveira*
Terça-feira, 31 de janeiro de 2006: Às 4h da madrugada, enquanto dormia o melhor do sono, toca o celular. Naquele momento, desperta não somente eu do meu relaxamento, como também toda a adrenalina, ao ouvir aquele toque bem específico. Imediatamente percebi que a ligação era do Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA) e que algum mamífero marinho precisava de ajuda.

Na praia do Jatobá, um golfinho clymene (Stenella clymene) foi encontrado. Logo a equipe do CRMA foi acionada para prestar o atendimento ao animal, que mesmo quando colocado de volta ao mar, não conseguia nadar nem flutuar. A equipe, então, teve que levá-lo a um cativeiro para que lá pudesse cuidar dele, monitorando-o 24 horas por dia. Ele foi colocado em uma piscina, onde foi providenciada uma bóia para apoiá-lo, uma vez que não conseguia flutuar sozinho.

No cativeiro, ele ficou sendo medicado, alimentado através de uma sonda gástrica, já que se recusava a alimentar-se espontaneamente. Foi também acompanhado por alguém que, da borda da piscina, orientava-o. Ele não conseguia nadar normalmente - deslocava-se com lentidão, não desviava das bordas e, com o atrito, machucava seu rosto e sua nadadeira caudal.

Os integrantes da equipe, não somente do CRMA, mas todos do Instituto Mamíferos Aquáticos, da qual o CRMA faz parte, dividiram-se em grupos que se revezaram nos cuidados com o animal. Cada um realizou um grande esforço para a reabilitação do golfinho. Todos tinham que dispensar um tempo do seu dia para esse propósito. Alguns perdiam noites à beira da piscina e iam para a aula do outro dia um pouco sonolentos; outros tiveram que adiar seus compromissos e horas de lazer; os "cheios de coisas para estudar" levavam seus livros e estudavam na beira da piscina, mas sem tirar os olhos do golfinho, numa tentativa frustrada de conciliar as duas coisas. O esforço era grande e, mesmo sendo por uma boa causa, todos estavam cansados e reclamavam do grande trabalho.

O que todos não sabiam é que as coisas podiam piorar e que todo aquele esforço e trabalho que estavam tendo não eram nem metade do que ainda estava por vir.
Sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006: Vitória, como estava sendo chamado o golfinho, pois nenhum animal destes, até então, tinha conseguido sobreviver tanto tempo em cativeiro, estava apresentando um quadro estável de saúde. Mas ainda não estava conseguindo manter sua flutuabilidade na água. Neste dia, a equipe retirou as bóias para verificar se ele tinha melhorado e percebeu que elas haviam machucando muito as nadadeiras peitorais do animal. Ao sentir a bóia sendo colocada de volta , Vitória começou a debater seu corpo fortemente, evitando o objeto. Agora sim, o trabalho, que não era pouco, iria aumentar. A equipe que antes monitorava o animal de fora da piscina e que, às vezes, podia se afastar um pouco dele, até que se aproximasse da borda, agora teria que ficar realmente, em tempo integral, dentro da piscina, segurando-o nos braços.

Durante seis horas, duas pessoas cuidavam de Vitória. Depois passavam a tarefa a outra dupla, e assim os procedimentos se repetiam. Com o golfinho nos braços, tínhamos que mergulhar constantemente para manter a umidade de seu corpo. Mantê-lo em movimento também era necessário para incentivar sua flutuabilidade. A alimentação era dada a cada quatro horas, e o medicávamos nos horários prescritos. Em uma das madrugadas em que permaneci cuidando dele na piscina, pensei o quão fantástico era ter aquele animal em meus braços. Os golfinhos são animais que percorrem vários quilômetros nadando em mar aberto, por diferentes lugares do mundo, vivendo em grupos, onde caçam e protegem um aos outros. E ali estava Vitória, em uma piscina, em que nada se parece com seu lar natural, sozinha, indefesa, sem nem conseguir manter, com autonomia, seu corpo na água, sendo alimentada e protegida por nós humanos, seus verdadeiros inimigos naturais, destruidores do seu ambiente natural, o mar. Fiquei triste pelo golfinho estar naquela situação, mas também feliz por estar ali fazendo minha parte. Eu e toda a equipe. Percebi que valia a pena todo aquele desgaste físico-emocional e até os riscos corridos, pois não tínhamos certeza da doença que Vitória tinha; mesmo assim, permanecíamos em contato direto com ela.

O cuidado dispensado era tão grande que os integrantes da equipe que adoeciam tinham que ficar longe do nosso golfinho para não contaminá-lo, e todos que estavam próximos evitavam falar alto para não estressá-lo. O momento de trocar de lugar com a pessoa que o segurava era cercado de muita cautela para que não houvesse abalo de confiança, pois os golfinhos reconhecem os seres humanos principalmente pela voz. Isso fez com que cada um da equipe permanecesse conversando sempre com o animal. Caso contrário, ele se debatia demonstrando estranhar a pessoa que o tocava.

Mesmo com todo esse esforço do Instituto Mamíferos Aquáticos, Vitória não conseguiu sobreviver e veio a óbito na quinta-feira, 9 de fevereiro de 2006, às 4 horas da manhã. Mas o trabalho da equipe não havia terminado. Ainda tivemos que removê-la a um hospital veterinário, para realizar a necropsia e tentar descobrir o motivo pelo qual Vitória encalhou. Trabalhamos até as 2 horas da manhã do dia seguinte, envolvidos com todo o procedimento pós-morte.

A causa principal da morte ainda não foi diagnosticada, mas identificamos que Vitória sofria de broncopneumonia e que seu olho esquerdo, que durante seus últimos dias de vida era mantido dentro do globo ocular pela pessoa que a acompanhava, tinha sido acometido por uma grave inflamação que estava se espalhando.
Finalmente pude voltar a dormir com tranqüilidade... pelo menos até algumas semanas depois, quando um filhote de baleia cachalote encalhou na Praia da Aruana. Mas essa já é uma outra história.

O encalhe de Vitória foi uma experiência inesquecível, mas, antes disso, um prazer incomparável em poder ajudar o animal em sua luta pela vida. Para alguns, uma perda de tempo; para mim e todos da equipe, uma verdadeira demonstração de humanidade. Não sei quanto aos que acham isso uma bobagem, mas eu não troco essa vida de bióloga por nada.

"Que eles são seres sensíveis e capazes de trazer felicidade, ninguém pode negar. Que sua sensibilidade de prazer e dor física é menor que a nossa, ninguém pode provar. E que há alguma razão pela qual eles não devam ser respeitados com proporcional ternura, nós não podemos aceitar." (Herman Daggett, The Rights of Animals, An Oration, 1791)

Caso você encontre algum mamífero aquático encalhado, morto ou vivo, ligue para nós. Centro de Resgate de Mamíferos Aquáticos (CRMA): (79) 9948-1299 / 9949-0261.
*Professora de Ciências da Nossa Escola

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