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A velha mestra Lúcia

Anita Arieviello

O texto a seguir chegou, via jornal, de tempos distantes, já com as páginas amareladas. A data, mal pude ver, mas acredito ser de 1968. Li o pequeno texto e adaptei-o. Movida pelo afeto a uma velha mestra e também escritora da minha infância, adolescência. Depois eu me mudei para longe, cresci, e a guardei no coração.

O texto semi-apagado e na cor amarela despertou-me sentimentos vários. Lembrei-me de dois fatos sobre ela que me comoviam muito. Um muito polêmico, outro nem tanto. "O nem tanto" é que ela fazia poemas para alguns alunos. Lindos! Os outros ficavam com água na boca. Sabíamos que sob o seu olhar, seríamos poesia. Nossa geração contava com a sábia consciência do não ter direito a tudo, por isso a inveja não nos envenenava, e as relações podiam se mostrar como eram e despertar em nós os melhores sentimentos, mesmo quando estávamos fora desse doce foco.

O fato "muito polêmico" era que a querida professora ressuscitou na época, os folhetins, ou seja, a secção literária no único periódico da cidade. Vinha em forma de novela e na primeira pessoa. Quanto drama! Tudo tão real... Num jornal do interior de Minas, estado cujo recato feminino era cultivado com ardor. "E os filhos," diziam os adultos indignados, "com a vida dos pais assim expostas?"
Eu ainda adolescente (de 12 a 13 anos), distante e insensível às discussões de ordem moral, lia e relia com paixão a grande escritora, a mui amada professora.

Ela contou sua história de amor, que era também de muito desamor. De escândalos até. O mais próximo de um julgamento que cheguei, em meio a tanto disse-me-disse, foi O que faria uma escritora com a sua própria vida senão escrevê-la?
A coisa ficou, todavia, mais interessante. Eu bem me lembro. Seu marido também era escritor e professor. Hoje, após tantos anos lendo "Antídoto à boçalidade", que aqui adapto só para não ocupar tanto espaço no jornal e no leitor, estou certa de que era um ataque, um lúcido ataque em resposta a outro, de seu ex-marido. Ele era altamente técnico. Ela, não, ela juntava ao seu conhecimento gramatical tantas verdades e emoções... e assim suas palavras passeavam em nossas cabeças despertando sonhos, sentimentos e ensinando-nos coisas das letras e do mundo. Inclusive que seu jeito de escrever era lindo, e seus conselhos eram sempre valiosos. Eu resumi e adaptei; não reproduzi na íntegra seu conselho de ordem pedagógica - aparentemente, pelo menos - por uma boa causa, que é a de render homenagem a alguém que me encantou e encantou toda uma cidade. Leiam, seus conselhos.

Caros alunos, falar e escrever são atividades com formas e regras distintas. Falar como se escreve não significa cultura, mas sintoma. Dos graves, e Freud o explica (...) Ah...os lingüistas? Eles são generosos e denominam essa incapacidade - discernir o papel em que se escreve de uma roda de pessoas - de superficialidade na apreensão do social e de falta de bom senso somente (...).

Há um modo de falar, no nosso cotidiano, adequado às diferentes regiões, às diferentes relações sociais, psicológicas, antropológicas etc. (...) Estão, então, liberados "o cafezim" o "libera nóis", o "oxente"... em nome da espontaneidade e contra a boçalidade. Quanto à escrita, há também milhões de possibilidades. (...) Por isso, os dicionários, as gramáticas não dão conta dos neologismos de gênios como Dante Aliguieri, e a arte literária brasileira foi abençoada pela obra Grande Sertão: Veredas do mineiro Guimarães Rosa (...).

O verdadeiro conhecimento de lingüística, assim como a liberdade criativa desses autores, entre outros atributos - a humildade, por exemplo -, fortaleceram seus gênios.(...).
Não se trata somente de um conselho para os meus bons alunos, mas de um alerta para que saibam o que seguir: todos devem dominar a língua padrão, quanto a isso não há a menor dúvida, mas não para reproduzi-la feito papagaios - patologicamente ou por pura boçalidade -, mas reinventá-la de modo sensível, com graça e com arte, quiçá com as mesmas de Dante ou de Guimarães Rosa (...).

Estes, sim, são eternos; os medíocres, não. Apenas "intragáveis", hoje. Depois esquecidos, felizmente.
O fato, meus pequenos leitores, é que a velha professora, em seu ímpeto de vingança, mas sempre sábia, foi profética. Hoje a sociedade mineira a homenageia... e do marido ninguém se lembra. Ademais, entre os estudiosos da língua - incluindo Aglacy no seu perfeccionismo -, a sua teoria vem sendo validada em nome da arte, da boa comunicação e de um saber mais plástico, por isso, criativa e saudável.
 

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